quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Crise económica, financeira e bancária

Ora muito se tem falado da crise financeira a nível mundial que tem afectado os bancos, a famosa crise bancária. Apesar de me encontrar inserido no sistema bancário, causa-me alguma impressão a forma como se fala da situação. Para o comum dos cidadãos estar a falar de subprime é falar de um primo qualquer dos Estados Unidos… E isto até não é muito difícil de explicar com termos que as pessoas normais possam perceber. Resumidamente é qualquer coisa como isto:

1)Durante muitos anos as taxas de juro eram muito baixas, e os bancos começaram a perceber a sua margem de mediação era cada vez mais baixa. Explicando, os bancos pedem dinheiro emprestado e depois emprestam dinheiro.
Ganhos do banco (A) : juros que cobram pelos empréstimos + comissões
Custos do banco (B): o que pagam pelo dinheiro quando o pedem emprestado e o que pagam pelos depósitos a prazo
Margem de mediação = A – B

2)Duas soluções surgiram:
1-começaram a fazer empréstimos de maior risco para cobrar maiores taxas de juro (aumentam o A logo aumentam a margem de mediação) – mais nos EUA
2-aumentam o volume de operações de crédito seguras (logo de margens diminutas) aumentando a margem de mediação por volume (muitas pequenas dá uma grande) – mais na Europa

3)No primeiro caso começa-se a oferecer créditos a clientes ninjas (no income no job no assets) ou seja pessoas sem rendimento, sem emprego, sem propriedades, que são de maior risco e pode-se cobrar assim taxas mais altas. Nesta altura dá-se o boom imobiliário e os bancos começam a emprestar mais dinheiro que o valor das casas hipotecadas. Assim apareceram as hipotecas prime (com menor risco de incumprimento, ou seja numa escala de risco de 300 a 850 pontos são as de 620 a 850) e as subprime (com maior risco de incumprimento, são as de 300 a 620 na mesma escala ). Nesta fase os ninjas foram pagando as suas prestações pois a economia estava a evoluir favoravelmente, quase não havia desemprego e lá se ia pagando as prestações. Com isso os bancos lá foram dando mais dinheiro aos ninjas para o carro, a viagem, o plasma, etc…

Comentário – para uma pessoa mínima sensata, este processo via-se mesmo que só podia correr mal. Mas se julgam que os americanos são loucos, esperem só para verem o que fizeram os europeus

4)Quanto à segunda solução, o aumentar em volume para ter mais lucros, levou a que os bancos ficassem sem dinheiro e começa então o movimento dos bancos emprestarem dinheiro uns aos outros, para isso por norma recorria-se ao estrangeiro. Resultado da globalização. Assim, o dinheiro que o Zé das Iscas aplicou hoje no Banco Cordelinhos Portalegre (BCP) pode ir amanhã para a Caja de Ahorros de Talavera (CAT) pois o BCP emprestou dinheiro à CAT. E esta CAT bem pode emprestar esse dinheiro a um ninja que o BCP nunca saberá. E dirá o gerente do BCP que trabalha numa instituição séria, que o dinheiro será gerido de forma sensata e que nem quer ouvir nas loucuras que os americasnos fazem com as suas subprimes… Não sabe ele que o dinheiro do Zé das Iscas bem pode ser emprestado a um banco americano (Banco de Boston)desses que fazem subprimes… Depois são os americanos que são loucos…

5)Até que surgem as Normas de Basileia (NB), que dizem que o capital de um banco não pode ser inferior a uma determinada percentagem do crédito concedido. Explicando:
Activo = Dinheiro em caixa + créditos concedidos
Passivo = Dinheiro emprestado a outros bancos + capital + reservas
Valo do Activo = Valor do Passivo
Segundo as NB, capital não pode ser inferior a uma determinada % do crédito concedido.

6)Que fizeram os bancos americanos? Criaram as titulizações. Ou seja “embrulharam” as hipotecas (primes e subprimes) em pacotes (designados MBS – Mortgage Backed Securities). Ou seja, onde antes havia 1000 hipotecas soltas na rubrica “créditos concedidos” (ver ponto 5) passou a haver 10 pacotes de 100 hipotecas (boas e más, ou seja prime e subprime). Então o Banco de Boston (BB) vende esses 10 pacotes rapidamente gerando dinheiro. Resultado: dinheiro em caixa aumenta exactamente na proporção que o crédito concedido baixa, logo mantém-se o valor do activo. Que ganharam com isso? Cumprem as Normas de Basileia (e fácil, o crédito concedido devido a uma operação financeira baixa). Mas perguntam vocês? Quem compra esses pacotes MBS?

7)Ora o Banco de Boston cria entidades filiais que não são sociedades são fundos (trusts) que não têm obrigação de ter contas consolidadas com a casa mãe – o Boston Trust Corporation (BTC) cujo balanço fica assim:
Activo = 10 pacotes de hipotecas
Passivo = dinheiro pago por essas hipotecas
Mas onde arranjaram o dinheiro? Aqui reside a parte mais genial disto tudo. Pediram emprestado a outros bancos.

Comentário – qualquer pessoa normal a esta hora só pode pensar: isto é uma bola cada vez maior e só pode dar merda…

8) Voltando ao Zé das Iscas que aplicou o seu dinheiro no BCP, não faz ideia que o BCP poderá emprestar dinheiro ao BTC que é uma filial do BB para o BTC comprar pacotes de hipotecas (boas e MÁS) ao próprio BB só para este ter um balanço mais… bonito.

9) Em 2007 o mercado imobiliário nos EUA entra em crise, os ninjas percebem que estão a pagar pelas suas casas mais do que elas valiam. Assim ou deixam de pagar ou não podem pagar. Assim já ninguém quer comprar as MBS, a estratégia começa a cair pela base, por culpa de quem? Do subprime (as tais hipotecas más, ou de maior risco) daí o termo crise do subprime. Assim os fundos ou trusts começam a valer cada vez menos pois o dinheiro simplesmente não existia, era uma avaliação das hipotecas.

10) E explicar ao Zé das Iscas isto tudo, quando ele apenas aplicou o seu dinheiro num fundo e gerente disse que era à confiança e ainda dava juros bem catitas ao fim de cada mês? Dizer a ele que os €10.000 que ele aplicou nos fundos só valem € 3.500...

11) O que gera esta situação: os bancos deixam de confiar uns nos outros, por causa dos subprimes (pois eles também a bela porcaria que têm em cada pacote de MBS). Não há mercado interbancário, logo não há dinheiro fresco, logo não há concessão de crédito.

12) Em que é que isto afecta a economia? Em termos simples, um banco sem dinheiro vende as suas participações em outras empresas, vende edifícios e começa a dar mais dinheiro pelos depósitos a prazo. Assim o cliente começa a aplicar mais e a consumir menos, vai menos ao Jumbo, se vai menos ao Jumbo compra menos cuecas, o Sr. da fábrica de cuecas em Carnaxide não percebe porque vende menos cuecas, assim começa a despedir pessoal (e nem sabe o que são ninjas, MBS, trusts, etc…). Parece brincadeira mas é verdade.

13) A isto chamo a GRANDE BURLA, não sei quando irá acabar, mas só vejo duas hipóteses. ou o Estado intrevêm ou terá de haver confiança no mercado de novo.

14) Peço desculpa se fui longo ou chato, tentei escrever de modo a que todos percebessem, sei que é difícil, mas tentei ser simples, embora como tenho alguns (poucos) conhecimentos de economia posso ter falhado nessa minha tentativa, pois o que é simples para mim pode não ser para outros.

4 comentários:

Insano disse...

Tens um jeitinho nato para explicar estas coisas à plebe.
Se algum dia estiveres farto do que fazes e te quiseres enervar mais todos os dias e (provavelmente) ganhar menos, diz-me, que arranjo-te um emprego como jornalista económico.
O tuga ia adorar ter um gajo como tu a explicar isto.
Só não percebi porque raio tem a fábrica das cuecas de ser em carnaxide. Tanto lugar bom... Ermesinde é um lugar bem bom! Diz que há muita gente para vestir cuecas bonitas por lá.

C.C. disse...

Epá obrigado pelo elogio, pelo menos parece ser um elogio... Carnaxide foi aleatório...

Insano disse...

Era um elogio.

Anónimo disse...

Eu sou um ninja!! :D