domingo, 22 de março de 2009

Uma tragédia

Recentemente foi notícia a morte de um bebé que foi esquecido pelo pai dentro do carro. Numa visão muito pragmática, o pai matou o seu filho que tinha apenas alguns meses de vida. Como é que é possível? O pai matou o filho. E nós como gostamos sempre de “ver o quadro pequeno” em vez de ver “o quadro grande” como dizem os ingleses (para quem conhece o termo isto soa mais ou menos mas a tradução se calhar não é a melhor, quem quiser pode corrigir mas estou-me a marimbar para isso) crucificámos o pai e fechámos o ciclo, para a próxima semana já ninguém se lembra. Em todo o lado as opiniões estão fechadas e nem vale a pena discutir. Aliás o pai nem devia ir a Tribunal, pode passar directamente para a cadeia. Quando olhamos para um problema e vemos só uma parte dele, é fácil arranjar soluções, mas essas soluções apenas vão resolver momentaneamente essa parte do problema, não resolvem em nada o problema no seu todo e a sua complexidade. Podemos dizer que não se admite que um pai esqueça de um filho no carro. Eu não tenho filhos não sei, acho que não me esqueceria, acho. Será que é algo que possa acontecer a qualquer pessoa? Eu parece-me que isto é um reflexo da sociedade em que vivemos, onde as entidades empregadoras exigem cada vez mais dos empregados. Então em momentos de crise exige-se e exige-se e quem não quiser dar apanha com um ”isto está difícil para todos se não fazes há quem esteja sem emprego e faça”. O trabalho ocupa o nosso tempo mais do que a família, o dormir ou amigos. Quem é que não passa mais tempo com trabalho do que com a namorada (o), ou a mãe, ou os amigos, ou os filhos? Só quem não trabalha. A pressão do trabalho é tanta que acidentes acontecem, e depois é fácil de resolver no imediato: era um mau pai. Merecia era morrer. Como foi capaz? Não sabe o que é amor pelo filho. É um animal. Quem sou eu para classificar o homem? Será que era assim tão diferente dos outros pais? Será que não tem já a vida destruída? Será que vai algum dia conseguir viver com o facto de que matou o próprio filho? A pergunta difícil e que ninguém quer ouvir é: será que isso pode acontecer a qualquer um de nós? Não sei, mas deixo um dado estatístico: nos EUA estes casos acontecem cerca de 25 vezes por ano, os últimos casos tiveram como pais um militar, uma assistente social, um padre protestante, uma enfermeira, um professor universitário, um cozinheiro, um cientista, um electricista, um trabalhador dos correios. Gente de diferentes classes sociais, diferentes feitios, será que eram todos monstros. Não estou a defender o pai, nem a desculpar a situação, só olho para ela de forma um pouco diferente que a fácil crucificação do pai. Estou a tentar olhar para o quadro grande. Que a criança descanse em paz, que o pai consiga sobreviver à tragédia (eu não seria capaz) e que tal coisa nunca me aconteça a mim ou aos meus amigos. E que isto sirva para pensarmos um pouco antes de darmos tudo ao trabalho ignorando as outras realidades.

8 comentários:

Anónimo disse...

Recentemente tive a discutir essa mm questão e concordo plenamente ctg, evidentemente que o pai tem que ser preso, veja-se por onde quer que seja é de facto homicidio por negligência, mas de certeza que qualquer pena que possam dar a est homem é um grão de areia no deserto comparado com o que ele vai passar para o resto da sua vida. Nunca se recupera de algo assim... É de facto um sinal alarmante das vidas de stress que se levam hj em dia...

C.C. disse...

DJ´

Obvio que não estou a fazer a defesa do pai, a minha ideia é apenas alertar para o facto de não ser um facto isolado, não ser obrigatoriamente um mau pai, ser um reflexo de uma situação social. E de deve ser visto como um todo e analisado como uma consequência não uma causa.

PS - tá combinado jantar sabado certo?

Anónimo disse...

Tá sim senhor, o dani diz k em principio pode, fala com o resto do pessoal. Eu infelizmente acho que isto pode acontecer cada vez mais, as pessoas trabalham cada vez mais, cada vez têm meno dinheiro pa pagar infantários e creches e mts vezes têm que levar os filhos pa td o lado...

C.C. disse...

É uma analogia muita afastada e não é comparavel obviamente, mas nunca te aconteceu ires procurar o carro no sitio onde o deixaste no dia anterior? Acredito que na cabeça daquele ser ele achou que tinha posto o miudo no infantário...

Mel disse...

Eu sou das que crucifixa, fui das que colocou as mãos na cabeça quando ouviu a noticia, e voltaria a fazer o mesmo. De um filho não se esquece. Estava atrasado? Levantasse-se mais cedo. O problema é que as pessoas saiem de casa às 9.05H para entrarem às 9 em ponto, por isso todo o stress matinal.
Deixou-se dormir? Também eu me deixo, de vez em quando, nada que me fizça chegar atrasada, mas se acontecer, tenho telefone para avisar.
Vai viver com problemas de consciência para o resto da vida?
Disso não tenho a menor dúvida, e tenho a certeza que o maior problema foi tentar explicar à filha mais velha o que se passou.
Desculpa C.C., mas tudo o que envolva negligência infantil tira-me do sério.
Tenho sobrinhos pequenos, onde apenas 2 mãos, 2 braços e 2 pernas não chegam para estar atenta, mas esta era uma morte completamente inevitável, estúpida, horrível.
Eu não quero nem pensar no sofrimento do bebé antes de morrer, porque esse é que se foi, para esse é que tudo acabou.

C.C. disse...

Mel,

Percebo a tua raiva e como referi não estou nem a desculpar nem a defender o pai, apenas estou a focalizar a questão de uma forma diferente e que até ao momento ainda não foi feito. Em vez de ver a coisa como uma situação isolada resultado de um mau pai, não será antes ou também o resultado de algo maior? De uma situação mais complexa reflexo da actual sociedade, ou podemos descansar e dizer que é SÓ o resultado da acção de um mau pai? Apenas coloco um ponto de vista diferente, nada mais.

Não tenho filhos, também tenho 3 sobrinhas novinhas, também senti revolta, mas apenas acho que é algo maior que o que estamos a ver...

Feitiozinho disse...

Honestamente não sei se há algum tipo de castigo que alguém lhe possa atribuir que seja maior ao sentimento de culpa que ele provavelmente já se impos a si mesmo.

Agora que é preocupante é, e a
verdade é que o ritmo imposto por nós e respectivas sociedades não vai diminuir, portanto só nos resta adaptar as nossas vidas e habitos... se acho chocante, incompreensivel como é que alguém se esquce de uma criança, bébé, animal de estimação (basicamente da vida de outro ser vivo) isso acho...

Agora que a vida deste casal nunca mais será a mesma, disso tenho a certeza absoluta..

C.C. disse...

Feitiozinho,

concordo contigo, mas acho que temos de ser nós a colocar um pouco a barreira e não deixar que o trabalho nos consuma.

e falo contra mim que sou um bocado workaollic...